A escritora e jornalista Monja Coen Sensei concedeu entrevista ao Grupo RBS. Ela estará em Concórdia dia 15 de dezembro para uma palestra a cinvite da ACIC. Confira a matéria:
Em chinês, "co" quer dizer só. "En", círculo. A ex-jornalista Cláudia Dias Baptista de Souza recebeu esse nome de seu mestre quando se tornou discípula de Buda, no começo da década de 1970, porque só queria estudar os textos sagrados, enquanto as pessoas com quem morava em uma comunidade mista em Los Angeles saíam para se divertir.
A busca pela sabedoria a levou a ser ordenada em 1983 como monja Coen. A segunda filha de uma família da classe média alta paulistana experimentou de tudo. Aos 14 anos, teve que se casar. Separou-se aos 17, grávida. Teve uma menina, concluiu os estudos, fez um aborto. Mais tarde sofreu um acidente de carro, tentou o suicídio, foi presa na Suécia por tentar traficar ácido.
Hoje, aos 68 anos, é uma das líderes espirituais mais requisitadas para palestras no país e bisavó de um menino de um ano e meio. Em Florianópolis para um evento do Grupo RBS, ela falou ao DC. Confira:
Monja, tudo o que acontece é bom?
Nem tudo o que acontece é bom, não. As coisas acontecem e são o que são. É diferente de ser bom ou ruim. Agora, o que você faz a partir disso é que vai ser transformação. As coisas estão se movimentando o tempo todo. Na hora em que você ver a realidade como ela é, você pode atuar de forma assertiva para direcionar a transformação.
Budismo é religião, doutrina, filosofia de vida ou esses são nomes diferentes para a mesma coisa?
É uma religião. Na Ásia, principalmente, é seguida por milhões de pessoas. Estive recentemente no Butão, e é um país totalmente budista.
O Índice de Felicidade Bruta implantado no Butão têm a ver com isso?
O Índice de Felicidade Bruta é uma coisa linda. É ideia do rei do Butão, que é budista. A primeira coisa é perceber a interdependência de tudo o que existe, é a necessidade de suficiência para que haja contentamento com a existência. Isso é ensinamento de Buda.
O que é suficiente?
É diferente de apego e desejo, "coisas que eu quero-quero-quero". É saber da suficiência pelo contentamento de existir, o que seria o que a gente chama de felicidade.
O que uma monja budista tem a ensinar para as empresas?
Pois é, foi o que eu me perguntei quando voltei ao Brasil e a primeira empresa que me chamou foi a Petrobras. Nossa, por que estão me chamando? O que eu vou falar para esse povo? E descobri que Leonardo Boff tinha ido lá, que Frei Betto tinha ido lá e que estava tendo um movimento muito interessante de levar espiritualidade para as empresas: vamos pensar que todos somos também seres espirituais e que se nós atendermos essas necessidades espirituais as pessoas podem ser melhores e estando em um estado de plenitude e felicidade vão produzir melhor. Tomar decisões mais acertadas, com mais serenidade. Então eu tenho sido muito solicitada neste segundo semestre. Porque no momento em que entra uma crise, vem uma instabilidade emocional maior. As pessoas estão trabalhando e pensando "posso ser mandado embora", "meu amigo foi mandado embora", "estão mandando todo mundo embora" e nisso elas param de ter habilidade de produção. Elas ficam travadas, medrosas, entram em certa paranoia, "os outros são meus inimigos". Notei que as empresas têm me chamado muito mais nesse sentido, de dizer "gente, vamos fluir". Porque aquele que for capaz de fluir e dar continuidade vai ficar. Aquele que está com medo vai ser mandado embora mesmo, porque vai parar de produzir, vai ficar assustado.
A senhora leu O Monge e o Executivo?
Li, maravilhoso, muito bom! E tem mais um, que se chama De Volta ao Mosteiro. É muito interessante porque são vários executivos que vão se encontrar com um monge que foi um executivo e abandonou o mundo dos negócios para se tornar monástico. Mas ele se torna um curador, um conselheiro. As pessoas o procuram muito aflitas, "quero ganhar", "
quero ter sucesso", e ele vai desmanchando isso para que as pessoas possam ter o verdadeiro sucesso. Não é que não vão ganhar: vão ganhar até mais, vão ter mais lucros se saírem do medo, dessa competição de querer destruir o outro.
Como o budismo pode ajudar uma pessoa a tomar decisões?
Primeiro, a gente vai trabalhar a respiração consciente para que você tenha uma melhor oxigenação do cérebro. O cérebro oxigenado pode ver com mais clareza e tomar decisões melhores. E segundo, o ensinamento principal é ver que está tudo interligado, inter-relacionado. São os dois princípios do budismo: impermanência e interconectivade. Quando eu vou tomar uma decisão, posso ver isso em uma longa dimensão. É como um jogo de xadrez: antecipar movimentos, ver mais adiante.
Essa seria a grande lição do budismo ao ambiente corporativo?
É saber, primeiro: nada é fixo, nada é permanente, tudo está se transformando. Então, não tenha medo da transformação, seja um orientador dessa transformação. Saber que está tudo em rede e que aquilo que você faz, fala e pensa mexe nessa rede. Tome responsabilidade sobre isso.
Como manter a espiritualidade nestes tempos turbulentos?
Puxa, mas isso é uma oportunidade maravilhosa! Olha a chance! Temos uma dificuldade e procuramos alguma coisa. É simples. Entre pagar uma conta, você pode respirar conscientemente. Entre ir de uma reunião a outra, você pode caminhar com plena atenção. E você vai trazendo sua mente para o agora. É o que eu chamo de presença absoluta: estar absolutamente presente no que você tem que fazer, na decisão que tem que tomar, no caso que tem que resolver, e não ficar com a mente dividida, porque é isso que nos traz problemas. Isso é espiritualidade, não é apenas ficar rezando e meditando.
A prática é a realização, como diz o livro Mente Zen, Mente de Principiante?
Nossa, esse foi um dos primeiros livros de budismo que eu li, é lindo. É isso mesmo. Aprecie o caminho. O que você está fazendo já é o caminho. Nós somos o que nós praticamos.
Há uma frase atribuída a Buda que diz "os homens perdem a saúde para ganhar dinheiro e depois perdem dinheiro para recuperar a saúde"
(Risos) É preciso tomar cuidado, né? O dinheiro não é bom nem mau. Tudo é assim: se a gente se apegar demais, fica presa. E aversão também é ruim. O caminho é fácil, é o caminho do meio.
O que a faz perder sua paciência de monja?
(Risos) Eu tenho mania de arrumar as coisas, deixar tudo certinho: o altar, a flor¿ Não tenho rompantes, mas dou umas broncas meio graves lá nos meus alunos quando eles começam a se desviar do caminho. Isso me incomoda muito. Por exemplo: tinha um jovem monge que veio morar comigo e eu falei para ele toda manhã trocar as aguinhas dos altares. Um dia ele disse para mim: "Mas eu sou mais do que isso". E essa frase é inaceitável para qualquer ser humano. Se eu acho que eu sou mais do que alguma coisa, estou presa pelo orgulho. E isso é um obstáculo muito grande para o caminho. Dei uma bronca muito séria nele e ele acabou indo embora. Não admito orgulho, as pessoas acharem que são mais do que estão fazendo e não fazem o que precisa ser feito, o que está em sua frente.
O que a senhora tem vontade de fazer e não faz porque é monja?
Nada, não tem nada. A ordem zen budista japonesa a que pertenço é muito liberal, não existe nenhum impedimento. É que não dá tempo de fazer algumas coisas que eu gostaria. Nadar, por exemplo (risos).
Fonte: Diário Catarinense
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